Recebi de um colega, via whatsapp, uma curiosa crônica (de tonalidade moralista) sobre um assalto a banco. Ali, o narrador percorre todas as etapas desde o assalto até a conclusão em que os ladrões (curiosamente muito educados durante o crime) são capturados pela polícia, mas o gerente do banco e o próprio banco se dão muito bem financeiramente. O Texto se inicia assim:
Um
ladrão entrou num banco e gritou pra
todos ouvirem:
- Ninguém
reaja, porque o dinheiro é do Banco, mas suas vidas pertencem a vocês!
Todos no banco ficaram em silêncio e lentamente se deitaram no chão. Isso se chama, MUDANÇA DE MENTALIDADE (...)
Deambulando pelos contorcionismos éticos em torno do assalto, a crônica conclui, em tonalidade moralizante:
O
gerente do banco ficou satisfeito, pois todos os seus desfalques foram
encobertos pelo assalto. O banco também, pois foi ressarcido pela seguradora.
Isso se chama, APROVEITAR AS OPORTUNIDADES!
ISSO É EXATAMENTE O QUE OS POLÍTICOS BRASILEIROS FAZEM COM A PANDEMIA!
Daí que traçar uma breve análise dessa crônica (horrorosa, diga-se) é um convite irrecusável. Ela revela um perverso senso ético que reconheceremos pelo texto que se explana abaixo:
Eis que temos aí um texto
moralista, enviesado, canhestro e perverso!
O nome
do sistema de exploração em que os donos do capital (“banco” é capital especulativo,
no caso) sempre se impõe ao povo miserável (que, aliás, demonstrou muita
“consciências de classe” durante o assalto) não é “sistema político brasileiro”
ou qualquer coisa que o valha!! O nome desse sistema é CAPITALISMO (e se apresenta aí na sua na sua forma mais predatória,
a vertente “neoliberal”). Note que os mais ricos se dão muito bem. Os pobres
(os bandidos e os clientes) se dão mal. Veja que, ao final das contas, os bandidos
executam um importante trabalho para os mais ricos, a medida que transferem o
lucro da empresa (dinheiro vindo dos correntistas) ainda mais diretamente que a
própria lógica predatória do sistema financeiro. Claro, em nome da segurança,
as taxas de mercado, os juros, irão subir ainda mais: mais outra vez ainda o
capital será o grande vencedor da perversa “lógica emoresarial do assalto”.
Você
pode até achar que usei teoria marxista para explicar isso. Mas saiba: sou
péssimo em teorias marxistas (li muito pouco o barbudo do socialismo!).
Importante trazer outro pensamento crítico aqui mais contemporâneo, a saber, a
música da banda “As Meninas”. Sim, a letra de Xibom bombom resume o sistema capitalista com grade maestria.
Notemos:
“Analisando
essa cadeia hereditária
Quero
me livrar dessa situação precária
Analisando
essa cadeia hereditária
Quero
me livrar dessa situação precária
Onde
o rico cada vez fica mais rico
E
o pobre cada vez fica mais pobre
E
o motivo todo mundo já conhece
É
que o de cima sobe e o de baixo desce
E
o motivo todo mundo já conhece
E
que o de cima sobe e o de baixo desce
Bom xibom, xibom, bombom” (As Meninas, 1999)
A
classe política brasileira dever ser compreendida por perspectivas mais
especificas:
A
classe política é diversa, existem os políticos bons, existem os políticos maus.
Os que roubam, os que não roubam e os que deixam roubar porque precisam não se
opor frontalmente ao sistema. Como manter-se incorruptível ou eticamente viável
em meio aos abutres? Longo debate, difíceis questões...
Por
hora, voltemos à ideia da diversidade que compõe a classe política... Sendo
diversa, a classe política representa o povo que a elegeu. Se a maioria é
corrupta é porque representa a mentalidade brasileira, incapaz de
solidarizar-se com o outro, completamente narcisista e incompetente para a
compreensão do que podemos denominar “espaço público”: sonega imposto, suborna
guarda, compra fiscal, fura o sinal vermelho, desrespeita o pedestre e só fala
em “direito à liberdade” quando é pra furar medida sanitária... No dia a dia
recusa direitos mais básicos da população como direto à escolarização e
segurança alimentar (coisas que melhoraram muito no Brasil com programas como o
Bolsa Família, mas que voltaram às
condições precárias anteriores à sua aplicação, por conta da aura de ódio que
assola o país).
Por
mais que possa parecer, a classe política não é a classe dos assaltantes de
banco. Os assaltantes não representam o povo, não são eleitos pelo povo! Os
políticos saem do meio da população brasileira e são eleitos por pessoas do povo
brasileiro (e muitas vezes anunciando, como numa espécie de “cardápio grotesco de
rebeldia e irreverência”, suas práticas de sonegação de impostos, seus anúncios
de violência e de incentivo à tortura e crítica aos direitos humanos).
Os
políticos tampouco vêm de Marte ou são importados da distante galáxia de Andrômeda: eles pertencem à setores da
população brasileira e, ao que tudo indica, estão sujeitos à mesma falta de
caráter de muitos dos cidadãos brasileiros...
Como,
por exemplo, os que escreveram aquela crônica do assalto a banco que
propositalmente generaliza a classe política justamente num momento de crise
sanitária mundial, aliada à plena ascensão do neofascismo. Aquela crônica quer
avidamente estimular o ódio à política, afastando o cidadão comum das decisões
do poder: generaliza sobre a podridão das frutas justamente para se fartar às
escondidas, com o acesso fácil à todas as guloseimas do cesto.
A
classe política não é homogênea porque não é homogênea a população brasileira.
Se
alguns governantes, contudo, são neofascistas é porque, infelizmente, parte da
população brasileira goza de prazer com o autoritarismo brasileiro e quer o
monopólio do poder político nacional na mãos de porcos autoritários que
representam seus desejos mais recônditos e sórdidos. Já foi dito faz tempo, mas
rememoro agora: “A cadela do fascismo está sempre no cio” (Brecht).
Aliás,
a função política dessa “crônica da ética capitalista dos assaltos” está aí
posta em rede de whatsapp justamente com essa função: ela serve para desgastar
a classe política em tempos de crise, justamente porque se alimenta da crise
que tanto luta por preservar. Você conhece um presidente que uma hora fala mal
da vacina contra o coronavírus e depois fala que sempre apoiou a vacinação?
Você já ouviu um político brasileiro homenagear torturador justamente em
plenária do congresso nacional (que deveria ser a casa da liberdade e da
anti-tortura)? Você já ouviu falar de presidente da república que apoia remédio
que não funciona prá Covid só porque
fechou um acordo de produção milionário com setores corruptos do exército brasileiro?
Ele não quer o fim da
crise. Ele quer a manutenção da crise. A crise é ele.
Tá.
Agora você vai me dizer: “o que a crônica do banco tem a ver com a pandemia?” E
eu vou te responder: “Se a historinha do assalto ao banco nada tem a ver com a pandemia,
porque o apelo à pandemia aparece só no final da crônica do assalto a banco,
sem nenhuma relação à ABSOLUTAMENTE NADA
do que foi dito anteriormente na própria historinha?” ...Percebeu?
Desmontar argumentativamente um texto, significa estar atento a todos os elementos que o compõem. ...E você acabou de ganhar uma aula de crítica literária grátis...rs
Pronto.
Agora
espalhe este texto aqui para a pessoa que te enviou aquela cronicazinha besta
sobre “a corrupção e os assaltos a banco” e “faça” com que a pessoa leia esse
meu texto crítico e mostre que ela deve urgentemente começar a pensar mais criticamente
sobre as baboseiras que recebe nas correntes de whatsapp.
Meu
nome é Fábio Martinelli Casemiro, sou doutor em teoria literária pela UNICAMP,
especialista em história cultural pela UNIMEP e pós-doutorando em Letras pela
UNIFESP.
Eu
sou professor e, mesmo de férias, dei aula grátis procê! Na próxima eleição,
vote em gente boa! Fica dica: professor ensina, capitão de artilharia mata.
Escolha melhor as ações que governam o teu país.
Abraços,
Prof.
Fábio

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